
Penguin Random House
Resenha crítica de "Fashionopolis: o preço do fast-fashion e o futuro das roupas"
Doris Treptow
Dana Thomas é uma jornalista especializada em moda e cultura, e autora do livro “Fashionopolis: The Price of Fast Fashion and the Future of Clothes”, lançado pela editora Penguin Press em setembro de 2019. Suas publicações anteriores incluem “Deluxe: Como o luxo perdeu o Brilho” (2008) e “Gods and Kings: The Rise and Fall of Alexander McQueen and John Galliano” (2015), ainda não traduzido para o português.
Eu conheci Dana Thomas em 2009, quando ela esteve no Savannah College of Art and Design (SCAD), em Savannah, promovendo “Deluxe”. Chamou-me atenção que ela citava a loja Daslu, em São Paulo, como um dos exemplos de luxo que ainda não haviam sido perdidos (na época). Dana esteve novamente no SCAD em 2015, conversando sobre Alexander McQueen e Jonh Galliano. Para os fãs desses designers, é uma obra para ler com lenços de papel à mão, e, para designers em geral, é uma excelente jornada por trás da cortina da fama, onde o dia-a-dia de uma marca de luxo e a pressão por resultados (vendas) geram desgaste profissional, físico e mental.
Dana Thomas possui um estilo de escrever envolvente. Ela descreve em detalhes os ambientes que visita e as pessoas que entrevista, de forma a incutir no leitor uma sensação de familiaridade com os entrevistados, quase como se fossem personagens de ficção.
O novo livro, “Fashionopolis”, desvenda meandros da cadeia produtiva de tecidos e roupas. O acesso de Thomas vai de locais exclusivos, como o estúdio de Stella McCartney e o “cofre” onde a Levi’s mantém originais dos jeans que viraram mania mundial, até insalubres lavanderias de denim, em Ho Chi Minh, Vietnã, e fábricas em Daca, Bangladesh.
“Fashionopolis” começa discutindo a compulsão por consumo e o impacto social e econômico da revolução industrial e produção em série, até a globalização e terceirização de mão-de-obra. Essa primeira parte do livro (leia com lenços de papel por perto) descreve as agruras de cidades que eram centros de manufatura nos EUA, mas que viram a produção migrar para países com salários inferiores, deixando um rastro de desemprego. A produção acelerada e de baixo custo do fast-fashion é criticada. Os horrores da produção contratada no exterior sem devida fiscalização são evidenciados com relatos de Honduras e Bangladesh. Thomas vai além de descrever o desmoronamento de Rana Plaza, incluindo os antecedentes de Sohel Rana, o proprietário do prédio. Ela reconhece os méritos de marcas aderirem ao Accord on Fire and Building Safety (Acordo de Segurança de Construção e Incêndio), mas não perdoa o fato de que a proposta desse acordo já existisse anos antes do desastre, sem que empresas assumissem compromisso, exceto o grupo americano PVH Corp. e a rede alemã Tchibo. E ainda ressalta que o PVH Corp. só aderira anteriormente ao pacto por causa de revelações na mídia.
Thomas, então, mergulha no universo jeans, examinando o uso de pesticidas e modificações genéticas no cultivo de algodão, o impacto do tingimento com pigmentos sintéticos e o choque ambiental causado pelos efluentes do processo de lavanderia. Mas a cada passo da jornada, ela oferece um contraponto, como a produção de algodão orgânico.
Na segunda parte do livro, o olhar de Thomas se volta para marcas, resgatando o trabalho artesanal (Alabama Chanin), a produção nos Estados Unidos (Billy Reid, Little River Sock Mill, Zero + Maria Cornejo) e o renascimento da produção têxtil na Inglaterra e nos EUA. Mas o evidente otimismo dessas páginas não torna a autora menos crítica: em visita à Reformation, na Califórnia, ela parece questionar a contradição entre as práticas sustentáveis promovidas pela marca e a velocidade de seus lançamentos. Eu sinto que ela deixa para o leitor decidir.
De volta ao jeans, Thomas investiga a produção de índigo natural, as cobiçadas marcas japonesas de jeans com ourela e o sistema Jeanologia de acabamento para jeans, reduzindo o uso de poluentes e o consumo de água.
Na terceira e última parte do livro, Thomas reconhece a influência de Stella McCartney na promoção de materiais e práticas sustentáveis para a indústria da moda. Durante sua permanência no grupo Kering, McCartney advogou pelo fim do uso de peles naturais e de sintéticos à base de PVC. Claire Bergkamp é a Chefe de Ética e Sustentabilidade, na empresa de McCartney, e responsável por muitas das escolhas de materiais, como viscose certificada pelo projeto Canopy, algodão orgânico cultivado no Egito, lã de criação extensiva na Nova Zelândia e nylon reciclado.
Thomas passa a discorrer sobre novos materiais, alguns adotados por McCartney, mas, também, outros ainda em desenvolvimento. Lista biomateriais como o substituto para o couro produzido pela Modern Meadows a partir de colágeno produzido por leveduras, ou a microsseda fabricada por Bolt Threads, num processo que descreve ser semelhante ao de cervejaria. A seguir, o capítulo apresenta materiais de composição reciclada, como Evrnu, uma fibra celulósica a partir de resíduos ou roupas usadas em algodão, e Worn Again, um processo que separa o conteúdo celulósico do conteúdo PET de artigos mistos de algodão e poliéster de forma que ambos possam ser reutilizados na criação de novas fibras. Nesse ponto, a autora oferece mais detalhes sobre Econyl, o nylon reciclado a partir de carpetes e redes de pesca usados por McCartney.
“De materiais para processos”, o capítulo seguinte explora novas tecnologias de manufatura, como a impressão 3D e a confecção automatizada. Thomas inclui, nesse trecho, a malharia Unmade, que produz blusões e cardigans em malha retilínea a partir de desenhos criados ou customizados por clientes. Questiono a escolha de Thomas em mencionar essa empresa como processo inovador, quando, na verdade, a tecnologia é semelhante à usada em produção em série. A única diferença que percebo é que o fabricante produz peças únicas a partir do design do cliente em malharia, adotando um conceito já bastante popular para artigos estampados.
As inovações não se limitam aos materiais, ou aos métodos utilizados na produção de roupas. A maneira como as roupas estão sendo comercializadas também está passando por transformações. O modelo de varejo, através de lojas de departamentos, tem mostrado seu declínio devido a mudanças na preferência dos consumidores e o advento do comércio eletrônico. Thomas cita a rede inglesa Selfridges como rara exceção por estar conseguindo manter-se conectada às expectativas dos clientes com práticas éticas e sustentáveis. No mercado de luxo, a plataforma eletrônica de vendas “Moda Operandi” está reinventando o atendimento a partir de espaços sofisticados, onde consumidores recebem, primordialmente, consultoria de moda e entretenimento. A rede Nordstrom lançou um conceito semelhante em 2017.
Conforto e conveniência são palavras de ordem no varejo, e a Amazon, o gigante do mercado eletrônico, lançou Prime Wardrobe, um serviço que permite a clientes provarem mercadorias em casa antes de efetuar a compra. Segundo Thomas, a assistente virtual inteligente Alexa pode ser programada com o aplicativo Style Check para consultoria de moda; ela compara fotos do consumidor com imagens de moda e oferece palpites sobre o caimento e opções de cores de roupas. É como ter uma assessora de moda virtual dentro do próprio closet!
Thomas reconhece o crescimento exponencial do mercado de revenda de roupas, com a proliferação de plataformas de consignação, venda e troca. Ela cita o exemplo da The RealReal que comercializa roupas e acessórios usados, mas de marcas de luxo. Por último, o modelo de aluguel de roupas é apresentado como um substituto parcial ao varejo, descrevendo o caso de sucesso da Rent the Runway.
“Fashionopolis” poderia ser um livro alarmista e depressivo, devido ao cenário de exploração humana e impacto ambiental da indústria da moda. Em seus agradecimentos, Dana Thomas revela os momentos de frustração e dificuldade em compilar assuntos tão diversos, e muitos tão negativos. Mas a autora é bem-sucedida em articular e organizar o conteúdo de forma que o leitor conclua o livro com uma sensação de otimismo. Diante de vários exemplos positivos, é possível ter esperança no futuro. Espero que interessados por moda, ao lerem essa obra, passem a fazer escolhas mais conscientes, para resolver o dilema sobre o que vestir.
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