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TAMANHO
Doris Treptow
Você recorda da sua avó reclamando sobre a falta de tamanhos de roupa? Pois é, nem eu. Será que na época dela esse problema não existia? Ou se existia, será que tinha solução? Ou será que as pessoas aceitavam o problema de tal maneira que nem reclamavam mais? Provavelmente todas as hipóteses tenham um fundo de verdade.
Será que o problema não existia?
Até pelo menos os anos 80 uma marca de boa reputação oferecia uma grade de tamanhos que acomodava pelo menos do tamanho 36 ao 48, algumas chegando até o 52 ou mesmo maior, sob encomenda. A numeração P-M-G era apenas utilizada pera peças que não exigiam um caimento exato, como camisetas. Em geral, P correspondia ao 38, M ao 42, e G ao 46.
Além disso as roupas eram confeccionadas com “costuras abertas”. O que é isso? Cada parte da roupa era primeiro preparada na máquina de overlock, que cria uma borda em cada parte da roupa antes das mesmas serem unidas. Depois, a peça era confeccionada em uma máquina de costura reta com generosas margens de costura em locais estratégicos (como a lateral ou o centro das costas) que permitiam a roupa ser modificada. Lojas de roupas frequentemente possuíam costureiras que faziam bainhas e outros necessários ajustes para que a roupa ficasse com bom caimento para o corpo da consumidora. Em algumas lojas de ternos masculinos essa prática ainda existe, mas na moda feminina o ajuste fornecido pelo varejista simplesmente desapareceu. As vezes uma gerente mais esperta ainda tem o cartão de uma costureira, mas fica por conta da cliente procurar essa profissional e pagar pelo serviço.
Quando o problema passou a existir?
Uma grade P-M-G é mais fácil de produzir e mais simples de estocar. Só que, quando se trata de um vestido ajustado ou uma jaqueta acinturada, o tal do P-M-G não funciona para quem tem manequim 40 ou 44, pois são peças que exigem uma modelagem mais precisa. Uma “solução”encontrada foi reduzir a diferença entre os tamanhos, tornando a correspondência P-M-G a 38-40-42. Eu não sei quanto a você, mas eu teria problema recomendando que uma cliente manequim 44 comprasse uma peça etiquetada como GG (extragrande).
Não apenas a grade de tamanhos mudou, mas também a forma como as roupas são costuradas. Em vez de costuras abertas, mesmo as peças de tecido plano são confeccionadas com uma única costura de overlock na lateral, com mínima margem de costura e eliminando a oportunidade de modificações. Assim, ainda que a consumidora saiba costurar ou conheça uma costureira, a reforma não pode ser feita facilmente.
O problema tem repercussão na autoestima
A revolução industrial promoveu a padronização de produtos, pois é mais eficiente para a produção em escala. Nossa atração por produtos padronizados é tamanha que até frutas e verduras são selecionadas para supermercados considerando tamanho e aparência semelhantes. Isso gera o descarte de alimentos que não se enquadram no padrão, resultando em desperdício. Padronização é um conceito construído. Na natureza não há clones, e mesmo entre gêmeos consegue-se estabelecer diferenças. Deus cria cada floco de neve com um diferente design e assim o faz conosco. Cada um de nós é uma criação singular. Somos ricos de semelhanças, nas quais nos reconhecemos como humanos; e de diferenças, que nos identificam como pessoa única.
No passado, quando roupa feita sob medida era a norma, entendíamos que a roupa deveria ser feita para servir no corpo do indivíduo. Em algum lugar nessa assimilação de padrões industriais passamos a aceitar que era o individuo que deveria modificar o seu corpo para “servir nas roupas”. É ridículo pensar que alguém deva “servir na roupa”, quando na verdade é a roupa que deve nos servir. Colocamos a culpa em nós mesmos, dizendo não termos o corpo “ideal” que se enquadre nas opções de tamanho oferecidas. Moda “pronta” é uma ilusão. A noção de que a roupa que compramos no varejo é adequada para todos os tipos físicos é uma falácia. Pode ser que as medidas do seu corpo correspondam a um manequim industrial, ou pode ser que não. Mas nunca é o seu corpo que é errado; é a roupa.
Será que o problema tem solução?
O apelo por uma industria da moda mais inclusiva tem ganho destaque nas midias sociais, nos debates acadêmicos e na imprensa do setor. Certamente marcas de moda podem, e devem, oferecer uma grade de tamanhos que corresponda à população. É inaceitável que marcas discriminem pessoas em função de seu tamanho, ou que optem por não fornecer para determinados tipos físicos.
Todavia, é ingênuo esperar que marcas possam oferecer roupas que sirvam perfeitamente a todos, mesmo com uma ampla grade de tamanhos. O serviço de ajuste pode ser disponibilizado pela própria loja como parte da experiência de aquisição do produto. Marcas que comercializam produtos de baixo preço, e não conseguem absorver o custo de fornecer alterações, devem ao menos ajudar a consumidora a encontrar quem possa fazer os ajustes necessários. Imagine as fontes de renda que isso possa gerar para uma comunidade!
Nem todas as roupas podem ser alteradas com sucesso. Soltar dois centímetros na lateral de um vestido, ou encurtar uma saia são tarefas simples, mas ajustar a cintura de uma calça jeans toma quase o tempo de fazer uma calça nova. Além disso, em alguns tecidos, como o jeans, alterações podem ser bastante perceptíveis. A pessoa que vende o produto de moda deve entender e saber explicar como ele pode ser modificado para melhor caimento. E, por sua parte, a consumidora deve ser realista em sua expectativa.
Visão estratégica
Para empresas de moda, o dilema da grade de tamanhos lembra a antiga máxima: “Não se pode ser tudo para todos.” Empresas de grande porte, como Renner ou Riachuelo conseguem desenvolver inúmeras linhas de produto e, em querendo, uma ampla grade de tamanhos. Todavia, para o pequeno fabricante com limitado fluxo de caixa, gerar um estoque com maior número de tamanhos significa um investimento restritivo, pois os recursos investidos em mais opções de tamanhos comprometem a quantidade de opções de modelos. A marca passa de fato a atender a um número maior de consumidores, mas com um menor mix de produtos.
Um fututro sob medida
Algumas plataformas de comércio eletrônico, como ASOS, SnapChat e Amazon já disponibilizam ferramentas de realidade aumentada que permitem clientes visualizarem o caimento de roupas em manequins de diversos tamanhos. A ferramenta tem por objetivo permitir que o cliente faça a escolha certa de tamanho em uma compra eletrônica, reduzindo a possibilidade de insatisfação e consequente devolução de produtos.
Mas imagine comprar um vestido pela internet e poder escolher o corte do decote, o comprimento das mangas ou da saia. Você também define a estampa do tecido, e a peça é confeccionada considerando as medidas do seu corpo. Esse serviço é oferecido pela eShakti, uma marca da Índia que promove amplas opções de customização. O modelo de negócio assume um custo maior de produção, já que cada ordem é cortada e costurada individualmente em vez de uma linha de produção. Todavia, a rentabilidade que a eShakti perde em velocidade de produção, recupera em vendas, já que seu modelo de negócio não gera encalhes.
Em breve, através das tecnologias de scanner corporal será possível gerar um simulador virtual onde a modelagem de uma roupa possa ser adaptada para as medidas específicas da consumidora. O design poderá ser apresentado em um avatar para aprovação antes de ser confeccionado, garantindo o caimento exato.
Parece que o ciclo se completa. Voltaremos a produção sob medida, uma solução do passado como aplicativo do futuro.